Nossa Senhora das Andorinhas
- Monge, deixa-me entrar nesta gruta. Gosto das grutas e tenho dó dos que nelas procuram abrigo. Foi numa gruta que dei o meu filho ao mundo, e, numa gruta, sem receio o confiei à morte, para que vivesse o segundo nascimento da Ressurreição.
O anancoreta afastou-se para a deixar passar. Sem hesitar, ela encaminhou-se para a entrada da caverna, escondida por detrás do altar. A enorme cruz impedia-lhe a passagem; afastou-a devagarinho, como a um objecto familiar, e penetrou na gruta.
Ouviram-se gemidos mais agudos, chilreios e como que um bater de asas. A mulher falava às Ninfas numa língua desconhecida, que era talvez a das aves ou dos anjos. Ao fim de um instante, reapareceu ao lado do monge que não parara de rezar.
- Olha monge – disse ela –, e escuta.
Uma infinidade de gritinhos estridentes saía-lhe de sob o mano. Abriu-o de par em par, e o monge Therapion viu que ela trazia nas pregas do vestido centenas de andorinhas. Afastou os braços num gesto largo, como uma mulher em oração, e as aves partiram em revoada. Disse depois, e a sua voz era clara como o som da harpa:
- Ide, minhas filhas.
As andorinhas libertadas fugiram no céu do crepúsculo, desenhando com o bico e as asas indecifráveis sinais. O velhinho e a jovem mulher seguiram-nas um instante com o olhar, até que a caminhante disse ao eremita:
- Voltarão todos os anos, todos os anos lhes darás abrigo na minha igreja. Adeus Therapion.
E Maria foi-se embora pelo carreiro que não levava a sítio nenhum, como mulher a quem pouco importa que os caminhos acabem, pois conhece a maneira de andar no céu. O monge Therapion desceu à aldeia e, no dia seguinte, quando subiu para celebrar a Missa, a gruta das Ninfas estava coberta de ninhos de andorinhas. Voltaram todos os anos; iam e vinham pela igreja, atarefadas a dar de comer às crias ou a consertar as suas casitas de barro, e o monge Therapion parava muitas vezes de rezar para seguir com ternura as suas brincadeiras e os seus amores, pois aquilo que é interdito às Ninfas é consentido às andorinhas.
CONTOS ORIENTAIS
Marguerite Yourcenar
O anancoreta afastou-se para a deixar passar. Sem hesitar, ela encaminhou-se para a entrada da caverna, escondida por detrás do altar. A enorme cruz impedia-lhe a passagem; afastou-a devagarinho, como a um objecto familiar, e penetrou na gruta.
Ouviram-se gemidos mais agudos, chilreios e como que um bater de asas. A mulher falava às Ninfas numa língua desconhecida, que era talvez a das aves ou dos anjos. Ao fim de um instante, reapareceu ao lado do monge que não parara de rezar.
- Olha monge – disse ela –, e escuta.
Uma infinidade de gritinhos estridentes saía-lhe de sob o mano. Abriu-o de par em par, e o monge Therapion viu que ela trazia nas pregas do vestido centenas de andorinhas. Afastou os braços num gesto largo, como uma mulher em oração, e as aves partiram em revoada. Disse depois, e a sua voz era clara como o som da harpa:
- Ide, minhas filhas.
As andorinhas libertadas fugiram no céu do crepúsculo, desenhando com o bico e as asas indecifráveis sinais. O velhinho e a jovem mulher seguiram-nas um instante com o olhar, até que a caminhante disse ao eremita:
- Voltarão todos os anos, todos os anos lhes darás abrigo na minha igreja. Adeus Therapion.
E Maria foi-se embora pelo carreiro que não levava a sítio nenhum, como mulher a quem pouco importa que os caminhos acabem, pois conhece a maneira de andar no céu. O monge Therapion desceu à aldeia e, no dia seguinte, quando subiu para celebrar a Missa, a gruta das Ninfas estava coberta de ninhos de andorinhas. Voltaram todos os anos; iam e vinham pela igreja, atarefadas a dar de comer às crias ou a consertar as suas casitas de barro, e o monge Therapion parava muitas vezes de rezar para seguir com ternura as suas brincadeiras e os seus amores, pois aquilo que é interdito às Ninfas é consentido às andorinhas.
CONTOS ORIENTAIS
Marguerite Yourcenar
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