29 junho 2005

A vingança


A casa ficou habitada por seres que não interagiam uns com os outros. Por seres incapacitados de se verem, de se ouvirem, de se amarem. Por seres que se rejeitavam com a crença de pertencerem a culturas muito diferentes. Nunca souberam que a verdadeira razão era uma que ninguém via. Que a rejeição provinha do subsolo, do choque de energias entre os restos da Pirâmide do Amor e a casa que tinham construído em cima. Da rejeição total entre as pedras que formavam a pirâmide e as que formavam a casa. Do desgosto da pirâmide que não esperava senão o momento adequado para tirar de cima de si as pedras alheias e assim recuperar o seu equilíbrio. De igual forma reagiam os moradores da casa, com a diferença de que para Citlali recuperar o seu equilíbrio anterior não significava tirar umas pedras de cima de si, mas sim levar a cabo a sua vingança. Felizmente para ela, não teve de esperar muito tempo. Isabel deu à luz um belo menino loiro. Citlali não saiu do seu lado, e assim que a parteira recebeu o menino ela pegou nele ao colo para o levar a Rodrigo e, fingindo um tropeço, deixou-o cair. A criança partiu logo a cabeça. Com o corpo da criança, caíram ao chão as linhas da mão de Citlali. O seu destino já estava marcado na terra, no ar, nos gritos e lamentos de Isabel. Já não lhe pertencia. Rodrigo agarrou-a pelos cabelos e tirou-a do quarto aos empurrões, por entre a confusão que reinava naquele momento. Tirou-a antes que alguém tivesse tempo de reagir contra ela. Não podia permitir que a maltratassem mãos alheias. O único que a podia matar dignamente era ele. Citlali não tinha escapatória, ele sabia-o perfeitamente, e sabia também que aquele corpo tão percorrido, tão conhecido, tão beijado, tão desejado, merecia uma morte amorosa. Com grande dor, Rodrigo sacou dum punhal e, tal como vira fazer a alguns sacerdotes durante os sacrifícios humanos, abriu o peito de Citlali, pegou no coração com as mãos e beijou-o várias vezes antes de finalmente o arrancar e lançar para longe. Foi tudo tão depressa que Citlali não sentiu o menor sofrimento. O seu rosto reflectia muita tranquilidade, a sua alma descansava finalmente em paz, pois conseguira concretizar a sua vingança. O que ela nunca soube foi que aquela vingança não consistiu em ter matado o loiro recém-nascido, mas sim o ter-se tornado merecedora da morte. Conseguiu com a sua morte o que desejara da primeira vez que vira Rodrigo: que uivasse de dor.


A LEI DO AMOR
Laura Esquivel