14 junho 2005

Elegia


Às vezes era bom que tu viesses.
Falavas de tudo com modos naturais:
em ti havia
a harmonia dos frutos
e dos animais.

Maio trouxe cravos como outrora,
cravos morenos, como tu dizias,
mas cada hora
passa e não se demora
nas tristezas das nossas alegrias.

Ainda sabemos cantar,
só a nossa voz é que mudou:
somos agora mais lentos,
mais amargos,
e um novo gesto é igual ao que passou.

Um verso já não é a maravilha,
um corpo já não é a plenitude,
tu quebraste o ritmo e o ardor,
ao partires um a um
os ramos todos da tua juventude.

Não estamos sós:
Setembro traz ainda
um fruto em cada mão.
Mas os homens, as aves e os ventos
já não bebem em ti a direcção.


OS AMANTES SEM DINHEIRO
Eugénio de Andrade
1950


Há palavras que são eternas, porque o poeta assim as torna quando ficam escritas na alma de quem as leu.
Até sempre!