13 janeiro 2006

Folhas de verde manso















Lucilina tinha cabelos verdes das folhas de lúcia-lima e olhos negros e brilhantes iguais a amoras. Por vezes, estava feliz e cantava com uma voz fina como se fosse uma flauta encantada. Vinha escutá-la um animal que não era cavalo de corrida, nem burro humilde, nem lince da Malcata, nem um gamo da serra de Peneda. Muito menos uma ave dos céus.
Estranha figura que a olhava com um olhar cheio de ternura branca e lavada.
Tinha o nome de Antenor.

Antenor morava só e triste (mas sempre com um sorriso, não sei porquê) num prédio muito alto, de muitos andares todos iguais e, no cimo de tal prédio, muitas antenas de televisão.
Pela rua corriam automóveis, bicicletas, com estranhos animais que com Antenor se pareciam.


Mas, depois, coisa estranha - Lucilina e Antenor assemelhavam-se, eram um e outro seres humanos, ele nem cavalo, nem burro, nem lince, nem gamo, nem ave do céu. Ela com cabelos verdadeiros sem a cor e o perfume de lúcia-lima.
Imaginem: casaram-se e convidaram animais para a festa. E os animais vieram muito contentes. Lucilina tinha um vestido bonito às risquinhas e Antenor um casaco mesmo bonito com uma grande gola.

Dou-vos minha palavra de honra que não sei como isto aconteceu. E ambos apareceram com chapéus iguais, como pessoas iguais. E felizes. E até com dois chapéus iguais, ambos olhos de amoras (ou amores?). Ao lado, sim, uma grande lúcia-lima - tão cheirosa a lúcia-lima de folhas verde manso!
E sobre a lúcia-lima, e afinal sobre eles, pairava um pássaro no céu. Eu penso que o pássaro, no céu azul, era cor-de-rosa e roxo: penso mas vocês é que dirão. Talvez o vejam de outras cores.
Antenor e Lucilina devem estar muito felizes.

O prédio grande deitou uma parte no chão, como a descansar e as antenas de televisão cresceram ao lado como flores. Tudo era humano e contente. E o pássaro no céu deixou crescer uma cauda muito longa e no peito levava ainda um bocado de chapéu (ou nuvem?) de pano de fato de Arlequim que antes usava Lucilina. Ia voar para longe, longe contar esta história. Pelas serras, pelos campos onde os animais vivam em paz, pelas cidades onde as casas não sejam grandes demais.

Vocês escutem-na, sobretudo na Primavera, logo no começo. Quando a terra ainda húmida da neve e das chuvas traz rebentos verdes, de muito verdes com todos os segredos. Onde também está o segredo dos cabelos e do chapéu de Lucilina e daquele seu amor que se chama Antenor.


LUCILINA E ANTENOR
Matilde Rosa Araújo