05 maio 2005

Para além da tua morte


Levas contigo os sonhos que tive quando te inventei? Sempre quis que fosses a minha palavra para além do que dizia, o eco da minha voz ao longe, o meu não constante aos donos do mundo. Desejei-te sereno e revoltado, criativo mas lúcido corajoso e terno. Queria-te independente e próximo, criança e homem, alguém capaz de levar por diante as minhas ideias. Por vezes imaginei-te um rasto de mim, um pedaço do meu corpo a viver ao longe, um novo ser poucas vezes diferente do que ambicionei. Noutras ocasiões distante, mal te distinguia ao longe, ficava então só e à espera, o tempo havia de te fazer regressar para junto de mim.

Olho agora a noticia da tua morte, o recorte de um jornal diário onde alguém (o teu pai?) mandou escrever palavras sem sentido, a custo distingo uma cruz sobre o nome Diogo que escolhi com alegria à vinte e dois anos, apenas sei que o frio me invade a cada dia que passa e o terror de ter perdido para sempre cresce dentro de mim.

Chegou em coma profundo, estamos a fazer o possível…

Pensava sempre em ti. No dia em que nos despedimos à porta da escola. Na história do menino, do coelho e do mocho que lhe ensinou o caminho para o mar (lembrei-me, Diogo, sentado no hospital à espera dos médicos, da primeira vez que me corrigiste, quando eu preguiçosa, procurava chegar depressa ao fim, tinhas tu três anos acabados de fazer e querias ouvir tudo). No Jardim Zoológico, onde passeámos tantas vezes, só eu adivinhava o teu gosto pelas aves e o teu horror pelos macacos. Nos nossos passeios no pinhal, tu a correr à procura de flores, e eu sentada num tronco de árvore a olhar para ti, finalmente o medico

Morte cerebral, infelizmente…

Foi assim que o médico me comunicou o teu fim. Era preciso esperar mais um pouco por razões que não percebi, só então estarias ao pé de mim pela última vez, poderia beijar-te e dizer-te adeus, mas não consegui na altura entender que jamais me vou separar de ti mesmo para além da tua morte…



VAGABUNDOS DE NÓS
Daniel Sampaio
2003