28 abril 2005

Apolo e as putas

Agora que se fez noite penso que apenas vinte e quatro horas antes estava a nadar numa piscina cheia de flores num hotel de luxo e pensando onde havia de ir para me divertir, enquanto com o queixo apoiado na borda, lia e procurava decorar um poema de William Butler Yeats que evoca a suavidade passada e as profundas sombras dos meus olhos; se o grande poeta moderno da minha pátria me visse agora, choraria? Pelo contrário, creio que ele previu o meu destino (segundo Leonello Padavoni, um grande poema adivinha e transmite-nos aquilo que vamos ser) quando perguntou por aqueles que amaram os meus momentos de graça despreocupada e a minha beleza, eterna ou passageira, acrescentando: quantos foram, quantos? Quantos olhares, quantos amantes platónicos são proporcionados a quem aparece no écran, substituindo Apolo na mitologia moderna proposta pelo cinema? Responde o poeta? Diz mais alguma coisa? Tento recordar o fim do poema, mas a minha memória na morte não responde, mantém-se teimosamente muda. Animo-me. Quererá isso dizer que, inacabado o poema, ainda me resta um destino para viver, uma margem inacabada da minha própria vida na morte?

Forniquei. Morri. Descobri que morrer é ler na mente dos vivos.

Mas o meu apetite profissional (para não dizer artístico) não se sacia assim tão facilmente. Será esta a minha carta estelar? As minhas produtoras decidi-lo-ão por mim. A noite assustou-as. Estão à deriva. Tantos elas como eu o sabemos. Receiam que o motor a funcionar as lance numa corrida incontrolável, catastrófica. Podiam, como sugeriu Doris, lançar a âncora e atirarem-se ao mar nas quatros direcções da rosa-dos-ventos. Logo veriam qual delas – Norte, Sul, Este ou Oeste – as conduziria mais rapidamente a terra.

Creio que o seu problema não é este. Se eu passo a noite flutuando e olhando as para as estrelas, as mulheres e os astros quereriam desaparecer da noite. A solidão à deriva dá-lhes uma noite absoluta, sem tecto, que não é a delas, aquela a que estão habituadas. Esta noite devolve-as a um abandono de que fugiram durante as suas curtas vidas, enganando-se a si mesmas. Jovens e pentelhudas. Com inteligência suficiente para não me atirarem aos peixes, mas sem inteligência para se deixarem guiar, não pelos instrumentos que as aterram ou os termos que desconhecem (olho-as e acredito que, graças a elas, a tecnologia torna a ser mágica)., mas pelas estrelas que sempre ignoraram. Talvez encontrem a sua única segurança na imobilidade.

Como se me ouvisse, Dolores diz em voz alta: «Decididamente, não temos boa estrela.

Gostaria de compreender a que espécie pertencem. Tanto a técnica como a natureza lhes são igualmente alheias. Para quê, para que forma criadas? Pensando nelas a partir da morte reconheço-as e reconcilio-me com elas. São as criaturas do artifício, nem natureza, nem técnica. Encantam o mundo em seu redor? Talvez sejam apenas a energia do que é artificial. Que pouco, que intenso, que inútil é tudo o que nos acontece!


A LARANJEIRA
Carlos Fuentes