13 abril 2005

A futilidade da vida humana

Parecia-lhe agora que todos aqueles anos, idos e esquecidos, tinham sido completamente desperdiçados. Os rapazes, joviais e buliçosos, faziam as mesmas coisas que ele fizera: era como se nem um dia tivesses decorrido desde que deixara a escola. Contudo naquele lugar, onde pelo menos de nome, conhecera todos, eram-lhe agora desconhecidos. Dentro de poucos anos, também outros substituiriam aqueles, que iriam sentir-se depôs tão estranhos como ele. Esta reflexão, porém, não lhe trouxe alívio algum, apenas lhe fazia ver, nítida a futilidade da vida humana. Cada geração, repetia um ciclo trivial. Que fim teriam levado os seus companheiros? Deviam andar perto dos 30 anos. Alguns estariam mortos; outros casados e cm filhos. Seriam soldados e sacerdotes, advogado e médicos. Eram homens graves que começavam a deixar a mocidade para trás. Teriam alguns deles malbaratado a vida como ele? Pensou no rapaz a que fora tão devotado. Era engraçado, não conseguia lembrar-se do nome. Recordava-se exactamente do seu aspecto, pois fora o seu maior amigo; mas o nome é que não lhe vinha de forma alguma à lembrança. Pensou no passado, sorrindo, divertido das ciumeiras que sofrera por causa dele. Era irritante não lhe ocorrer aquele nome. Desejou ser outra vez rapaz como os que via a vaguear pelo pátio, a fim de que, evitando os seus erros, pudesse começar de novo e tirar mais proveito da vida. Sentiu uma solidão intolerável. Quase lamentou ter saído da penúria que sofrera nos últimos dois anos, pois a luta desesperada pela subsistência amortecera-lhe a dor de viver. «Com o suor do teu rosto ganharás o pão de cada dia»: não era anátema lançado sobre a Humanidade, mas o bálsamo que a reconciliava com a existência.
Estava, porém, impaciente consigo mesmo. Relembrou a sua ideia acerca da tissura da vida; os sofrimentos porque passara não eram mais do que uma parte da decoração caprichosa e bela. Repetiu para si próprio, veementemente, que devia aceitar com alegria todas as coisas – o tédio e a exaltação, o prazer e a dor – porque isso contribuía para a riqueza do desenho. Procurara o belo conscientemente e lembrava-se de ter, ainda criança, ter olhado com prazer para a catedral gótica que se avistava da escola. Foi até lá e contemplou o vulto maciço, cinzento sob o céu nublado, com a torre central a erguer-se como os louvores dos homens ao seu Deus. Mas os rapazes jogavam ténis e eram ágeis, fortes e activos. Philip não podia deixar de ouvir-lhes as exclamações e as risadas. O clamor da mocidade continuava insistente e era apenas com os olhos que ele via o belo espectáculo que tinha diante de si.


SERVIDÃO HUMANA
Somerset Maugham
1914