31 março 2005

Toda a influência é imoral

Toda a influência é imoral, imoral sob o ponto de vista científico.
- Porquê?
- Porque exercer a nossa influência sobre alguém é darmos a própria alma. Esse alguém deixa de pensar com os pensamentos que lhe são inerentes, ou de se inflamar com as suas próprias paixões. As suas virtudes não lhe são reais. Os seus pecados - se é que os pecados existem - são emprestados. Tal pessoa passa a ser o eco da música de outrem, o actor de um papel que não foi escrito para si. O objectivo da vida é o nosso desenvolvimento pessoal.

Compreender perfeitamente a nossa natureza - é para isso que estamos cá neste mundo. Hoje as pessoas temem-se a si próprias.
Esqueceram o mais nobre de todos os deveres: o dever que cada um tem para consigo mesmo.
É certo que não deixam de ser caritativos. Dão de comer aos que têm fome e vestem os pobres. Mas as suas almas andam famintas e nuas. A coragem desapareceu da nossa raça. Ou talvez nunca a tivéssemos tido. O temor da sociedade, que é a base da moral, o temor de Deus, que é o segredo da religião - eis as duas coisas que nos governam. E, contudo...

- Volte a cabeça um pouco mais para a direita, Dorian, seja um rapaz bem comportado - disse o pintor, absorvido pelo seu trabalho e apercebendo-se apenas de que surgira no rosto do jovem uma expressão que nunca lhe vira antes.

- E, contudo - continuou Lord Henry na sua voz grave e musical, fazendo um gracioso gesto com a mão, tão
característico, mesmo já nos tempos de Eton - se um homem devesse viver a sua vida em toda a plenitude, dar forma a todos os sentimentos, expressão a todos os pensamentos, realidade a todos os sonhos, creio que o mundo ganharia um novo impulso de alegria que nos levaria a esquecer todos os males do medievalismo e a regressar ao ideal helénico. Talvez mesmo a algo mais refinado e mais rico que o ideal helénico. Mas o mais ousado de todos nós teme-se a si mesmo. O selvagem mutilado que nós somos sobrevive tragicamente na auto-rejeição que frustra as nossas vidas.


O RETRATO DE DORIAN GRAY
Oscar Wilde
1891