20 março 2005

Um olhar de velho triste

- Vem, quero mostrar-te uma coisa - disse Pedro Tercero. Levou-a pela mão. Caminharam, saboreando aquele amanhecer do mundo, arrastando os pés no barro, apanhando talos tenros para lhes sugar a seiva, olhando-se e sorrindo, sem falar, até que chegaran a um prado afastado. O Sol aparecia por cima do vulcão, mas o dia ainda não acabara de se instalar e a terra bocejava. Pedro disse-lhe para se deitar no chão e guardar silêncio. Rastejaram aproximando-se dos matos , deram uma pequena volta e então Blanca viu-a. Era uma formosa égua baia, dando à luz sozinha na colina.


Os meninos imóveis, fazendo por que não se ouvisse nem a sua respiração, viram-na arquear e esforçar-se até que apareceu a cabeça do potrozinho e, em seguida, depois de bastante tempo, o resto do corpo. O animalzinho caiu no chão e a mãe começou a lambê-lo, deixando-o limpo e brilhante como madeira encerada, animando-o com o focinho para que tentasse erguer-se. O potrozinho tentou por-se em pé, mas dobraram-se-lhe as frágeis pernas de recém-nascido e ficou deitado, olhando a mãe com ar desvalido, enquanto ela relinchava saudando o Sol da manhã. Blanca sentiu a felicidade estalando no peito e brotarem-lhe as lágrimas nos olhos.

- Quando for grande, vou-me casar contigo e vamos viver aqui, em Las Tres Marias - disse num sussurro. Pedro ficou a olhá-la com expressão de velho triste e negou com a cabeça. Era ainda muito mais pequeno que ela, mas já conhecia o seu lugar no mundo. Também sabia que amaria aquela menina durante toda a sua existência, que esse amanhecer perduraria na sua recordação e que seria o último que veria no momento de morrer.

A CASA DOS ESPIRITOS
Isabel Allende
1987