16 março 2005

DÁNAE

Volta pela marginal, ao principio da tarde, com chuva dourada da primavera: céu cinzento, mar verde-escuro, viscoso, dorso de imenso sáurio arfando.
Chuva começa a bater na capota do carro em gotas grossas. Algumas escorregam e deslizam já pelo para-brisas.
Uma povoação lá adiante, mas se vê agora sob a cortina de água.
Um paquete no mar, sol electromagnético irisa os nimbos escuros, um feixe dos seus raios quebra-se na água junto à costa.
Estrada transformada em passadeira aquática. Os carros deslizam cautelosamente, farois acesos. O dela atravessa um aluvião de areia, arrastado pela chuva.
Arbustos por aqui e por alí, vergados, agitados. Alguns cactos de flores vermelhas perfuram a névoa densa.
Ensandecida, nova bátega se estilhaça sobre o asfalto, que fumega de água.
Abre a porta que deita para o jardim. Descalça-se. Despoja-se de roupas.
Nua, vai pelos carreiros, feliz, agita ramos e folhagens. Alcança o virbuno em flor, abraça-se ao tronco e sacode-o com todas as forças, para que o corpo se lhe encharque também nesta água dourada de primavera.

AS VELHAS SENHORAS E OUTROS CONTOS
Natália Nunes
1965