14 março 2005

A escola. A flor. A flor. A escola...

Tudo ia muito bem quando Godofredo entrou na minha aula. Pediu licença e foi falar com D. Cecília Paim. Só sei que ele apontou a flor no copo. Depois saiu. Ela olhou para mim com tristeza.
Quando terminou a aula, me chamou.
- Quero falar uma coisa com você, Zézé. Espere um pouco.
Ficou arrumando a bolsa que não acabava mais. Se via que não estava com vontade nenhuma de me falar e procurava a coragem entre as coisas. Afinal se decidiu.
- Godofredo me contou uma coisa muito feia de você, Zézé. É verdade?
Balancei a cabeça afirmativamente.
- Da flor? É, sim, senhora.
- Como é que você faz?
- Levanto mais cedo e passo no jardim da casa do Sérginho. Quando o portão está só encostado, eu entro depressa e roubo uma flor. Mas lá tem tanta que nem faz falta.
- Sim. Mas isso não é direito. Você não deve fazer mais isso. Isso não é um roubo, mas já é um furtinho.
- Não é não, D.Cecília. O mundo não é de Deus? Então as flores são de Deus também...
Ela ficou espantada com a minha lógica.
- Só assim que eu podia, professora. Lá em casa não tem jardim. Flor custa dinheiro... E eu não queria que a mesa da senhora ficasse sempre de copo vazio.
Ela tirou o o lenço da bolsa e passou disfarçadamente nos olhos.
- Eu não queria fazer a senhora chorar. Eu prometo que não roubo mais flores e vou ser cada vez mais um aluno aplicado.
Pegou as minhas mãos entre as dela.
- Você vai prometer uma coisa, porque você tem um coração maravilhoso, Zézé.
- Eu prometo, mas não quero enganar a senhora. Eu não tenho um coração maravilhoso. A senhora diz isso porque não me conhece em casa.
- Não tem importância. Pra mim você tem. De agora em diante não quero que você me traga mais flores. Só se você ganhar alguma. Você promete?
- Prometo, sim senhora. E o copo? Vai ficar sempre vazio?
- Nunca esse copo vai ficar vazio. Quando eu olhar para ele vou enxergar a flor mais linda do mundo. E vou pensar: quem me deu essa flor foi o meu melhor aluno. Está bem?
Agora ela ria. Soltou minhas mãos e falou com doçura.
- Agora pode ir, coração de ouro...

O MEU PÉ DE LARANJA LIMA
José Mauro de Vasconcelos
1968

3 Comments:

Anonymous Anónimo said...

seria interessante perceber as pessoas através dos livros que leram e dos que não leram

segunda-feira, março 14, 2005  
Blogger Unknown said...

A história é igual a da ficha na minha escola. Só que não tem uma parte que fala da corujinha. Ela faz parte da história.

domingo, novembro 28, 2021  
Anonymous Anónimo said...

Faltou uma parte:

- Omundo não é de Deus? ** (Tudo que tem no mundo não é de Deus?) ** Então as flores são de Deus também ...

sábado, outubro 28, 2023  

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