Moços que nunca foram meninos
O telhal está silencioso e deserto, e o vento zune no caniço dos esteiros, negros como breu. No céu, nem uma estrela. As luzes mortiças dos saveiros, ao longe, adensam a noite.
Mas o Gineto não tem medo, Já por duas vezes que atravessou o esteiro, com lodo pelos joelhos, para ir roubar carvão da Fábrica Grande. No largo da vila já há armações para a feira – e ele quer voltar a ver a Rosete na barraca de tiro; quer comprar-lhe beijos com dinheiro que no telhal não chegou a juntar. Por isso, atravessa de novo o esteiro, agora cheiro de água; depois rasteja e corre rapidamente para junto do carvão, com que vai enchendo a saca, precipitadamente, atento a ruídos e focos de luz. As máquinas, porém, abafam os passos dos guardas, confundidos com as trevas. Quando esboça a fuga, é tarde de mais, perante homens lestos e potentes como o Rex, o canzarrão da Quinta Alta.
Dorme?... Não congemina fugas e pensa que os companheiros o virão salvar, como naquela noite de temporal em que o Boa Sorte naufragou.
Mas os amigos não vêm, e a mãe, com as suas lágrimas não consegue anular o depoimento dos guardas, dos caseiros e do Cabo do Mar, que tem uma cicatriz indelével no braço, feita pelo canivete do Gineto…
Rolam dias iguais a todos os dias; o Outono chega, cavalgando o vento. E Gineto mantém a mesma fé de quando entrou na prisão.
Uma voz canta, mesmo por baixo da janela, uma canção que ele ouviu, certa tarde, no alto do mirante. Então grita:
- Gaitinhas! Tou aqui, Gaitinhas!
Mas a voz afasta-se. Gatinhas-cantor vai com Sagui correr os caminhos do mundo, à procura do pai. E quando o encontrar, virá então dar liberdade ao Gineto e mandar para a escola aquela malta dos telhais – moços que parecem homens e nunca foram meninos.
ESTEIROS
Soeiro Pereira Gomes
1941
1 Comments:
Não sei como consegues... tens um tacto especial para escolheres os textos...
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