09 maio 2005

É assim que aprendemos


– Padre – dissera Chartrand – posso fazer-lhe uma pergunta estranha?
– Só se eu puder dar-lhe uma resposta estranha – respondera o camerlengo, com um sorriso.
Chartrand rira-se.
– Tenho feito esta pergunta a todos os padres que conheço, e continuo sem compreender.
– O que é que o perturba?
O camerlengo caminhava com passos curtos e rápidos, agitado a sotaina à sua frente e a cada passada. Os sapatos pretos, de sola de crepe, condiziam com o homem, pensara Chartrand, eram como que o reflexo da sua essência…modernos mas simples, a mostrar sinais de uso.
Chartrand inspirara fundo.
– Não entendo essa coisa de Omnipotência-benevolência.
O camerlengo voltara a sorrir.
– Andou a ler as Escrituras.
– A tentar.
– Está confuso porque a Bíblia descreve Deus como uma divindade omnipotente e benévola.
– Exacto. Omnipotente-benévolo significa apenas que Deus é todo-poderoso e nos ama.
– Compreendo o conceito. É que … parece haver uma contradição.
– Sim. A contradição é a dor. A forme, a guerra, a doença.
– Exactamente! – Chartrand sabia que o camerlengo havia de compreender. – Acontecem coisas terríveis neste mundo. A tragédia humana parece prova de que Deus não pode ser todo-poderoso e amar-nos. Se Deus nos amasse e tivesse o poder de alterar a nossa situação, impediria a nossa dor, não é verdade?
O camerlengo franzira a testa.
– Será?
Chartrand sentira-se pouco à vontade. Teria passado os limites? Seria aquela uma das tais perguntas religiosas que pura e simplesmente não se faz?
– Bem… se Deusa nos amasse, e tivesse poder para nos ajudar, teria de fazê-lo. Por isso parece que ou é Todo-Poderoso e indiferente, ou nos ama mas não pode ajudar-nos.
– Tem filhos, tenente?
Chartrand corara.
– Não, signore.
– Imagine que tinha um filho de oito anos… Amá-lo-ia?
– Com certeza.
– Deixá-lo-ia andar de skate?
Chartrand hesitara. O camerlengo parecia sempre estranhamente «sintonizado» para padre.
– Sim, acho que sim – acabara por dizer. – Sim, deixá-lo-ia andar de skate, mas dir-lhe-ia para ter cuidado.
– Portanto, como pai desse rapaz, dar-lhe-ia alguns conselhos básicos e deixá-lo-ia cometer os seus próprios erros?
– Não ia pôr-me a correr atrás dele e apaparicá-lo, se é a isso que se refere.
– Mas… e se ele caísse e esfolasse um joelho?
– Aprenderia a ter mais cuidado.
O camerlengo sorrira.
– Portanto, embora tivesse o poder de interferir e evitar a dor do seu filho, optaria por mostrar-lhe o seu amor deixando-o aprender à própria custa?
– Claro. A dor faz parte do crescimento. É assim que aprendemos.
O camerlengo assentira.
– Exactamente.


ANJOS E DEMÓNIOS
Dan Brown
2000